16 maio 2012



Naquele tempo, o mundo dos espelhos e o mundo dos homens não se encontravam, como agora, incomunicáveis. Eram, além do mais, muito diferentes: nem  os seres coincidiam, nem coincidiam as formas. Ambos os reinos, o especular e o humano, viviam em paz; entrava-se e saía-se pelos espelhos. Uma noite, as gentes dos espelhos invadiram a terra. Era muito grande a sua força, mas ao cabo de sangrentas batalhas, as artes mágicas do Imperador Amarelo prevaleceram. Repeliu os invasores, aprisionou-os nos espelhos e impôs-lhes a tarefa de repetir, como se fora em sonho, todos os actos dos homens.

Privou-os da força e da figura e reduziu-os a meros reflexos servis. Um dia, porém, eles hão-de sacudir esse letargo mágico. O primeiro a acordar será o Peixe. No fundo do espelho aperceber-se-á uma linha muito ténue e a cor dessa linha não se parecerá com nenhuma outra. Iro depois despertando as outras formas. Pouco a pouco, diferenciar-se-ão de nós, pouco a pouco deixarão de nos imitar. Quebrarão as barreiras de vidro e de metal e desta vez não serão vencidas. Com as criaturas dos espelhos combaterão as criaturas das águas. Há quem pense que antes da invasão, se ouvirá, vindo do fundo dos espelhos, o rumor das armas.



Jorge Luís Borges: Manual de Zoologia Fantástica. 

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