30 dezembro 2008
Hap- - -py New Year!
Joe E. Brown no filme de George Sidney, Showboat (1951), música de Jerome Kern e letra de Oscar Hammerstein II
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Oscar Hammerstein
12 dezembro 2008
Christmas Close Up
Ladislaw Starewicz (1882-1965), The Insect's Christmas,1913
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Ladislaw Starewicz
10 dezembro 2008
Son cas - "Primitif du Cinématographe"
Manoel de Oliveira, "Douro Faina Fluvial" , 1931
"É uma pequena obra de arte. A moderna poesia do ferro e do aço, o fascinio da natureza nos seus diversos aspectos e matizes, a tonalidade das horas, a alegria e a miséria do homem na sua luta pelo pão de cada dia, tudo isto aqui está representado com verdadeira grandeza"
José Régio, 1934
Manoel de Oliveira,Mon Cas, 1985 , baseado nas obras O Meu Caso, de José Régio, Pour Finir Encore et Outres foirades (For to End Yet Again and Other Fizzles), de Samuel Beckett e exertos do Livro de Job.
José Régio, 1934
Manoel de Oliveira,Mon Cas, 1985 , baseado nas obras O Meu Caso, de José Régio, Pour Finir Encore et Outres foirades (For to End Yet Again and Other Fizzles), de Samuel Beckett e exertos do Livro de Job.
Imagem e texto: Cahiers du cinéma n°400, "Mon Cas" de Manoel Oliveira - Le Primitif du Cinématographe, por Antoine de Baecque
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Samuel Beckett
09 dezembro 2008
Big Brother (is Watching you)
01 dezembro 2008
Cliquot
The Flying Club Cup
A plague in the workhouse, a plague on the poor
Now I'll beat on my drum 'til I'm dead
Yesterday, a fever, tomorrow, St. Peter
I'll beat on my drum until then.
But what melody will lead my lover from his bed?
What melody will see him in my arms again?
Set fire to foundation and burn out the station
You'll never get nothing of mine
The pane of my window will flicker and billow
I won't leave a stitching behind
But what melody will lead my lover from his bed?
What melody will see him in my arms again?
I'll sing of the walls of the well and the house at the top of the hill
I'll sing of the bottles of wine that we left on our old windowsill
I'll sing of the years you will spend getting sadder and older
Oh love, and the cold, the oncoming cold
26 novembro 2008
"A criança é a máscara do velho"
Mário Cesariny de Vasconcelos, O Operário, 1947
MGM ... mas o que é que fica, o que é que realmente fica de nós?
M.C Bom, de nós ficam os filhos se fazes filhos, ficam livros e pinturas se escreves ou pintas, ficam esculturas, etc… Não é grande consolação… para mim não é! Porque se houvesse a eternidade era uma coisa, não é? Mas não há… Não interessa quantos milhares de anos, ou milhões de anos, o planeta terra vai levar para explodir, não é? Portanto acaba tudo por desaparecer, pronto, fsssst!
É muito misterioso isto tudo, não é?
MGM Então para que é que isto serve?
MC Não sei, serve para foder que é muito agradável e dá muito gozo. Serve para amar....e serve para morrer. Pronto!
"A criança é a máscara do velho", mas a verdade é que a criança, enquanto criança, é mesmo criança, não é?
"Autografia"de Miguel Gonçalves Mendes, sobre MárioCesariny
MGM ... mas o que é que fica, o que é que realmente fica de nós?
M.C Bom, de nós ficam os filhos se fazes filhos, ficam livros e pinturas se escreves ou pintas, ficam esculturas, etc… Não é grande consolação… para mim não é! Porque se houvesse a eternidade era uma coisa, não é? Mas não há… Não interessa quantos milhares de anos, ou milhões de anos, o planeta terra vai levar para explodir, não é? Portanto acaba tudo por desaparecer, pronto, fsssst!
É muito misterioso isto tudo, não é?
MGM Então para que é que isto serve?
MC Não sei, serve para foder que é muito agradável e dá muito gozo. Serve para amar....e serve para morrer. Pronto!
"A criança é a máscara do velho", mas a verdade é que a criança, enquanto criança, é mesmo criança, não é?
"Autografia"de Miguel Gonçalves Mendes, sobre MárioCesariny
19 novembro 2008
(Watch)ing you
Just at that moment I passed the shop of a watchmaker-optometrist, whose sign had always been a large clock that gave the exact time. Under this clock hung a picture of a pair of giant eyeglasses with staring eyes. On my morning walks I had always smiled to myself at this slightly grotesque detail in the street scene. To my amazement, the hands of the clock had disappeared. The dial was blank, and below it someone had smashed both of the eyes so that they looked like watery, infected sores. Instinctively I pulled out my own watch to check the time, but I found that my old reliable gold timepiece had also lost its hands. I held it to my ear to find out if it was still ticking. Then I heard my heart beat. It was pounding very fast and irregularly. I was overwhelmed by an inexplicable feeling of frenzy. I put my watch away and leaned for a few moments against the wall of a building until the feeling had passed. My heart calmed down and I decided to return home.
(...)MARIANNE: Did you sleep well?
ISAK: Yes, but I dreamed. Can you imagine—the last few months I've had the most peculiar dreams. It's really odd.
MARIANNE: What's odd?
ISAK: It's as if I'm trying to say something to myself which I don't want to hear when I'm awake.
MARIANNE: And what would that be?
ISAK: That I'm dead, although I live.
Ingmar Bergman, Morangos Silvestres, Suécia,1957
11 novembro 2008
Les Fleurs du Mal
When I get old I would Like a Drink (Self Portrait) / 2002
MARILYN MANSON'S PAINTINGS IN INAUGURAL U.S. EXHIBITION DURING ART BASEL MIAMI 2008, PRESENTED BY GALERIE BRIGITTE SCHENK IN COLLABORATION WITH 101 EXHIBIT - A NEW GALLERY SPACE IN THE MIAMI DESIGN DISTRICT
MARILYN MANSON'S PAINTINGS IN INAUGURAL U.S. EXHIBITION DURING ART BASEL MIAMI 2008, PRESENTED BY GALERIE BRIGITTE SCHENK IN COLLABORATION WITH 101 EXHIBIT - A NEW GALLERY SPACE IN THE MIAMI DESIGN DISTRICT
08 novembro 2008
L’Animateur
L’Animateur - The Animator, Nick Hilligoss
Vencedor do Festival de Berlim Curtas 2008 e do Anima-Mundi 2008.
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Nick Hilligoss
03 novembro 2008
'Victorin levantando vôo da ponta do Rochedo do Monte Inacessível para ir à descoberta Austral...' Gravura de Louis Binet, no livro de Rétif de la Bretonne, ' La Découverte Australe par un Homme Volant ou Le Dédale Français' , 1781, tomo primeiro
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28 outubro 2008
O Mocho
Rétif de La Bretonne, Les nuits de Paris, ou Le spectateur nocturne, Londres, 1788, tomo primeiro
"Sujet de la FIGURE de la XIII.me Partie. SOUPER CÉLÈBRE: Le Spectateur nocturne à table ,au second souper, entre l'Auteur du TABLEAU-DE-PARIS, et Du-Hameauneuf, dans une salle superbement illuminée: On porte un service, avec appareil: Baïard: Cortége: Ifs ou Servantes: "QUIETI ET MUSIS", Rétif de La Bretonne, Les nuits de Paris, ou Le spectateur nocturne, tomo VII, 1789.
"Sujet de la FIGURE de la XIII.me Partie. SOUPER CÉLÈBRE: Le Spectateur nocturne à table ,au second souper, entre l'Auteur du TABLEAU-DE-PARIS, et Du-Hameauneuf, dans une salle superbement illuminée: On porte un service, avec appareil: Baïard: Cortége: Ifs ou Servantes: "QUIETI ET MUSIS", Rétif de La Bretonne, Les nuits de Paris, ou Le spectateur nocturne, tomo VII, 1789.
Qu'est ce que la nuit? -Vous alez repondre à votre question? -Sur la Terre c'est douze heures pendant lesquelles le Soleil éclaire l'autre hemisphère également partagées sous l'équateur; inégalement audelà des tropiques; mais cependant revenant toujours à douze heures, en compensant les grands jours par les petits.
Sur la lune, c'est quatorze de nos jours, & autant de nos nuits, pendant lesquels un de ses hemisphères est dans les tenèbres.
Pour les Êtres qui vivent dans Mars, c'est douze heures-un-quart & demi, c'est à dire, qu'il tourne sur lui même, à trois quarts-d'heures près, aussi rapidement que notre Globe. Ce qui peutêtre n'est pas exact. Mars devrait avoir une revolution diurne plus rapide que celle de la Terre.
Restif de La Bretonne, Les nuits de Paris, ou Le spectateur nocturne, tomo primeiro, pp. 55-56.
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Rétif de la Bretonne
22 outubro 2008
"Masks of Difference"
Jacques Le Moyne de Morgues (c. 1533 – 1588)
Young Daughter of the Picts, c. 1585
Watercolour and gouache, touched with gold, on parchment
New Haven, Yale Center for British Art
Paul Mellon’s Legacy
15 outubro 2008
13 outubro 2008
08 outubro 2008
"The Dull Flame of Desire"
Single de Bjork editado no final de Setembro. Com a participação de Antony Hegarty dos Antony & The Johnsons.
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04 outubro 2008
Cravo Vermelho no Largo do Carmo
Música nas Praças, Largo do Carmo
ENSEMBLE BARROCO DO CHIADO
Verena Wachter, soprano
Álvaro Pinto, violino barroco
Pedro Castro, oboé barroco
Ana Raquel Pinheiro, violoncelo barroco
Marcos Magalhães, cravo
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30 setembro 2008
"That’s not art"
Josh Azzarella
"The Aesthetics of Terror", uma exposição prevista para Novembro no Chelsea Art Museum foi cancelada.
"An artist has to go one step beyond, and find what are the reasons for terrorism and how one can go ... another way [to] a revolution against terrorism, and not just show very banal photos which we see every day in ... television," "That’s not art."
Dorothea Keeser, Co-fundadora e presidente do CAM
"The Aesthetics of Terror", uma exposição prevista para Novembro no Chelsea Art Museum foi cancelada.
"An artist has to go one step beyond, and find what are the reasons for terrorism and how one can go ... another way [to] a revolution against terrorism, and not just show very banal photos which we see every day in ... television," "That’s not art."
Dorothea Keeser, Co-fundadora e presidente do CAM
28 setembro 2008
22 setembro 2008
14 setembro 2008
"Very womb-like"
Jeff Koons em Versailles
"...As to why he put an assemblage of vacuum cleaners among portraits of royal women in the queen’s antechamber, he (Koons) replied that, among other things, vacuum cleaners are “very womb-like.”
05 setembro 2008
03 setembro 2008
05 agosto 2008
17 julho 2008
I apologize to the animists, but I don't think objects have a soul.
Gazira Babeli é uma avatar que nasceu no dia 31 de Março de 2006 e vive no Second Life.
Gazira Babeli: Yes, it's my real name in Second Life but most of people call me Gaz. Outside SL, my existence is not so different from yours... drinking, eating, sleeping, meeting people, looking at a computer monitor and working the least possible.
Second Soup. You love Pop Art - Pop Art hates you, Scripted cans, May 2006
Anna Magnani, Scripted performance, February 2007
GAZ OF THE DESERT, Movie/performance, from February 2007
iDol, Performance, January 2008
Interacting With Aliens, Object-oriented performance, October 2007, During THE GATE performed by Second Front, Odyssey SL / iMAL Brussels
Gazira Babeli: Yes, it's my real name in Second Life but most of people call me Gaz. Outside SL, my existence is not so different from yours... drinking, eating, sleeping, meeting people, looking at a computer monitor and working the least possible.
Second Soup. You love Pop Art - Pop Art hates you, Scripted cans, May 2006
Anna Magnani, Scripted performance, February 2007
GAZ OF THE DESERT, Movie/performance, from February 2007
iDol, Performance, January 2008
Interacting With Aliens, Object-oriented performance, October 2007, During THE GATE performed by Second Front, Odyssey SL / iMAL Brussels
15 julho 2008
19 junho 2008
Ele não dirá nada de verdadeiro
Bernini, Apolo e Dafne, 1622-1625, Galeria Borghese, Roma
"Nous traversâmes alors le fleuve à un gué, et nous découvrîmes un prodige de vignes : pour la partie qui sortait de la terre, le cep proprement dit était épais et de belle venue, mais, vers le haut, c'étaient des femmes qui avaient à partir des flancs ce qu'il fallait là où il fallait - c'est ainsi que nos peintres représentent Daphné au moment où elle se change en arbre quand Apollon se saisit d'elle. De l'extrémité de leurs doigts poussaient les sarments, chargés de grappes : Elles avaient même sur la tête, en guise de chevelure, des vrilles, des feuilles et des grappes.. Nous les abordâmes et elles nous saluèrent et nous firent bon accueil, les unes en lydien, les autres en indien, la plupart en grec. Elles nous embrassèrent sur la bouche ; sous l'effet de ce baiser, on était aussitôt ivre et on titubait . Pourtant, elles ne nous permettaient pas de cueillir leurs fruits, mais elles souffraient et criaient quand on tentait de les arracher. Il y en avait que désiraient s'unir a nous : deux de mes compagnons, s'étant ainsi approchés d'elles, ne pouvaient plus s'en détacher, mais restaient collés à elles par leur sexe : ils se mettaient à pousser avec elles, à prendre racine avec elles, et déjà leurs doigts étaient changés en sarments et, entremêlant leurs vrilles aux leurs, laissaient l'impression qu'ils allaient bientôt, à leur tour, donner des raisins."
Lucien (de Samosate), Histoires Vraies e autre oeuvres, Século II.
(Atravessámos então o rio a vau, e descobrimos prodigiosas vinhas: na parte vizinha da terra, o tronco propriamente dito era espesso e bem desenvolvido, mas, da parte superior, saíam mulheres que tinham a partir da cintura o que era necessário onde era necessário - é assim que os nossos pintores representam Dafne no momento em que se transforma em árvore quando Apolo se aproxima dela. Da extremidade dos seus dedos cresciam parreiras, carregadas de cachos: Sobre a cabeça, como cabeleiras, tinham ramos, folhas e cachos. Abordámo-las e elas saudaram-nos calorosamente, umas em lidio, outras em indiano, a maior parte em grego. Beijaram-nos na boca; sob o efeito deste beijo, ficávamos imediatamente ébrios e titubeantes. No entanto, não nos permitiam colher os seus frutos, sofrendo e gritando quando os tentávamos arrancar. Algumas desejavam unir-se a nós: dois dos meus companheiros, que se aproximaram delas não mais se libertaram, continuando ligados pelo sexo: começavam a crescer com elas, a ganhar raiz com elas, e desde logo os seus dedos se transformaram em ramos e, entrelaçando as suas gavinhas com as delas, deixavam a impressão de que iam brevemente, também eles, dar uvas.)
11 junho 2008
05 junho 2008
25 maio 2008
I see you
A ideia inicial seria escavar um túnel por baixo do oceano Atlântico que ligasse Londres a Nova Iorque. Nas suas extremidades seria instalado um "Telectroscópio", que permitiria às pessoas observar em tempo real o que se passa do outro lado. O objectivo final foi atingido não com um túnel, mas com a ajuda de uma ligação de fibra óptica, câmaras de alta definição e projectores. Em Londres, perto da “Tower Bridge” e em Nova Iorque, perto da “Brooklyn Bridge”. Até 15 de Junho.
19 maio 2008
As Fotografias não mentem
Contranatura
Herbarium, Guillumeta Polymorpha
Fauna, O Centauro em plena fase de comunicação com Aaru-1
Safari
Vestigios de pinturas de Retseh- Cor em Feather Creaek
Constelações, Zeta Coronae Borealis
Sputnik, Ivan Istocchnikov despede-se antes de entrar na nave
Sereias, Esboços mostrando os restos de um Hydropithecus
Herbarium, Guillumeta Polymorpha
Fauna, O Centauro em plena fase de comunicação com Aaru-1
Safari
Vestigios de pinturas de Retseh- Cor em Feather Creaek
Constelações, Zeta Coronae Borealis
Sputnik, Ivan Istocchnikov despede-se antes de entrar na nave
Sereias, Esboços mostrando os restos de um Hydropithecus
O Artista e a fotografia, O Pássaro Loplop regressa
Joan Fontcuberta (n.1955) . The only reliable information a photograph can tell us is that it is just that - a photograph.
Contranatura inclui seis séries: Herbarium (1984), Fauna (1989), Constelacões (1994), O artista e a fotografía (1996), Sputnik (1997) e Sereias (2000).
Em Herbarium (1984), Fontcuberta elabora um Tratado de Botânica. Junto de cada fotografia de uma planta combina dados sobre a sua localização, características gerais etc., misturando dados reais com outros inventados. As plantas, supostamente verdadeiras, são segundo Fontcuberta, "pseudoplantas", assemblages efémeras construídas a partir de detritos industriais, bocados de plástico, ossos, pedaços de plantas etc. que encontrou na cintura industrial de Barcelona.
Para Fauna (1989), Fontcuberta propõe uma reflexão sobre os modelos do real e a credibilidade da imagem fotográfica, do discurso científico e de todo o artifício subjacente a qualquer dispositivo gerador de conhecimento. Trata-se de uma instalação pluridisciplinar centrada num bestiário fantástico: fotografias, radiografias, desenhos, mapas de viagens, vídeos, animais dissecados, instrumentos de laboratório, etc. Fontcuberta cria a historia de um naturalista alemão, o Professor Peter Ameisenhaufen e do seu ajudante, Hans von Kubert e executa um trabalho de falsificação da memória.
Constelações (1994), As visões das estrelas, como conta Fontcuberta, não passam de cadáveres de insectos no pára-brisas do seu carro. O que vemos é um fragmento da superficie do vidro cheio de manchas sobre papel fotossensível.
No Artista e a Fotografia (1996), Fontcuberta parte de uma dupla hipótese de trabalho: Em que medida a Instituição canoniza os objectos que integra? Até que ponto os espectadores são acríticos face ao poder que o museu representa? A ideia de Fontcuberta consistia assim apresentar pequenas intervenções nesses espaços, copiando o estilo de determinados artistas, e avaliando, posteriormente, como influi na percepção do público o contexto das obras deliberadamente falsas.
Em Sputnik (1997), Fontcuberta inventa a história da primeira iniciativa da Fundação Sputnik: a tragédia do cosmonauta Ivan Istochnikov, perdido no espaço em estranhas circunstâncias. Para dar autenticidade à história, usa um grande número de documentos históricos e informações que contextualizam a época do acontecimento e conferem maior veracidade ao caso.
Sereias (2000), O Centre d´Art Informel et Recherche sur la Nature (CAIRN) convida artistas a realizar intervenções efémeras na sua reserva. A par de, por ex., amonites gigantes que existem na reserva, Fontcuberta insere no circuito do parque fósseis fictícios de hydropithecos que parecem sereias. Os hydropithecos são descritos como se da identificação feita num museu se tratasse.
Joan Fontcuberta (n.1955) . The only reliable information a photograph can tell us is that it is just that - a photograph.
Contranatura inclui seis séries: Herbarium (1984), Fauna (1989), Constelacões (1994), O artista e a fotografía (1996), Sputnik (1997) e Sereias (2000).
Em Herbarium (1984), Fontcuberta elabora um Tratado de Botânica. Junto de cada fotografia de uma planta combina dados sobre a sua localização, características gerais etc., misturando dados reais com outros inventados. As plantas, supostamente verdadeiras, são segundo Fontcuberta, "pseudoplantas", assemblages efémeras construídas a partir de detritos industriais, bocados de plástico, ossos, pedaços de plantas etc. que encontrou na cintura industrial de Barcelona.
Para Fauna (1989), Fontcuberta propõe uma reflexão sobre os modelos do real e a credibilidade da imagem fotográfica, do discurso científico e de todo o artifício subjacente a qualquer dispositivo gerador de conhecimento. Trata-se de uma instalação pluridisciplinar centrada num bestiário fantástico: fotografias, radiografias, desenhos, mapas de viagens, vídeos, animais dissecados, instrumentos de laboratório, etc. Fontcuberta cria a historia de um naturalista alemão, o Professor Peter Ameisenhaufen e do seu ajudante, Hans von Kubert e executa um trabalho de falsificação da memória.
Constelações (1994), As visões das estrelas, como conta Fontcuberta, não passam de cadáveres de insectos no pára-brisas do seu carro. O que vemos é um fragmento da superficie do vidro cheio de manchas sobre papel fotossensível.
No Artista e a Fotografia (1996), Fontcuberta parte de uma dupla hipótese de trabalho: Em que medida a Instituição canoniza os objectos que integra? Até que ponto os espectadores são acríticos face ao poder que o museu representa? A ideia de Fontcuberta consistia assim apresentar pequenas intervenções nesses espaços, copiando o estilo de determinados artistas, e avaliando, posteriormente, como influi na percepção do público o contexto das obras deliberadamente falsas.
Em Sputnik (1997), Fontcuberta inventa a história da primeira iniciativa da Fundação Sputnik: a tragédia do cosmonauta Ivan Istochnikov, perdido no espaço em estranhas circunstâncias. Para dar autenticidade à história, usa um grande número de documentos históricos e informações que contextualizam a época do acontecimento e conferem maior veracidade ao caso.
Sereias (2000), O Centre d´Art Informel et Recherche sur la Nature (CAIRN) convida artistas a realizar intervenções efémeras na sua reserva. A par de, por ex., amonites gigantes que existem na reserva, Fontcuberta insere no circuito do parque fósseis fictícios de hydropithecos que parecem sereias. Os hydropithecos são descritos como se da identificação feita num museu se tratasse.
09 maio 2008
28 abril 2008
Abuse of Power
Jenny Holzer, Abuse of Power Comes As No Surprise, from the series Truisms T-shirts. (1980-)
As alterações à imagem original são da responsabilidade de Merdinhas/Intruso.
As alterações à imagem original são da responsabilidade de Merdinhas/Intruso.
22 abril 2008
16 abril 2008
09 abril 2008
Ruínas Circulares
And if he left off dreaming about you...
Through the Looking-Glass, IV
Ninguém o viu desembarcar na unânime noite, ninguém viu a canoa de bambu sumir-se na lama sagrada, mas daí a poucos dias ninguém ignorava que o homem taciturno vinha do Sul e que a sua pátria era uma das infinitas aldeias que ficam rio acima, no flanco violento da montanha, onde a língua zenda não está contaminada de grego e onde é rara a lepra. O que é certo e seguro é que o homem pardo beijou a lama, subiu a margem sem afastar (provavelmente sem sentir) as sanguessugas que lhe dilaceravam as carnes e arrastou-se, enjoado e sangrando, até ao recinto circular dominado por um tigre ou um cavalo de pedra, que teve outrora a cor do fogo e agora a da cinza. Essa arena é um templo que os antigos incêndios devoraram, que a floresta pantanosa profanou e cujo deus não recebe as honras dos homens. O forasteiro deitou-se sob o pedestal. Só o despertou o sol alto. Verificou sem assombro que as feridas haviam cicatrizado; fechou os olhos pálidos e adormeceu, não por fraqueza da carne, mas por decisão da vontade. Sabia que esse templo era o lugar referido para o seu invencível desígnio; sabia que as árvores incessantes não tinham conseguido estrangular a jusante, as ruínas de outro templo propício, também de deuses incendiados e mortos; sabia que a sua obrigação imediata era o sonho. Por volta da meia-noite, acordou-o o grito inconsolável de um pássaro. Marcas de pés descalços, uns figos e um cântaro avisaram-no de que os homens da região lhe tinham espiado com respeito o sono e solicitavam o seu amparo ou temiam a sua magia. Sentiu o frio do medo e procurou na muralha delapidada um nicho sepulcral e tapou-se com folhas desconhecidas.
O desígnio que o guiava não era impossível, se bem que sobrenatural. Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo com uma integridade minuciosa e impô-lo à realidade. Este projecto mágico esgotara o espaço inteiro da sua alma; se alguém lhe perguntasse o seu próprio nome ou qualquer pormenor da vida anterior, não seria capaz de responder. Convinha-lhe o templo desabitado e desmantelado, porque era um mínimo de mundo visível; a vizinhança dos lenhadores também, dado que estes se encarregavam de prover às suas necessidades frugais. O arroz e os frutos de seu tributo eram pasto suficiente e para o seu corpo, consagrado à única tarefa de dormir e sonhar.
Ao princípio, os sonhos eram caóticos; pouco depois, tornaram-se de natureza dialéctica. O forasteiro sonhava-se no meio de um anfiteatro circular que era de certo modo o templo incendiado: magotes de alunos taciturnos fatigavam os degraus; as caras dos das últimas filas pendiam a muitos séculos de distância e a uma altura estelar, mas viam-se com uma precisão absoluta. O homem dava-lhes lições de anatomia, de Cosmografia, de magia: os rostos escutavam com ansiedade e tentavam responder com entendimento, como se adivinhassem a importância daquele exame, que deveria redimir um deles da sua condição de vã aparência e o interpolaria no mundo real. O homem, no sonho e na vigília, considerava as respostas de seus fantasmas, não se deixava enganar pelos impostores, adivinhava em certas perplexidades uma inteligência crescente. Procurava uma alma que merecesse participar no universo.
Ao cabo de nove ou dez noites, compreendeu, com certa amargura, que nada podia esperar daqueles alunos que aceitavam passivamente a sua doutrina mas sim dos que arriscavam, às vezes, uma contradição razoável. Os primeiros, embora dignos de amor e afeição, não podiam elevar-se a indivíduos; os últimos preexistiam um pouco mais. Uma tarde (agora também as tardes eram tributárias do sonho, agora só estava acordado umas horinhas ao amanhecer) despediu para sempre o vasto colégio ilusório e ficou apenas com um único aluno. Era um rapaz taciturno, azedo, desordeiro às vezes, de feições afiladas que repetiam as do seu sonhador. A brusca eliminação de seus condiscípulos não o desconcertou por muito tempo; os seus progressos, no fim de poucas lições particulares, conseguiram maravilhar o mestre. No entanto, aconteceu a catástrofe. Um dia, o homem, emergiu do sono como de um deserto viscoso, fitou a vã luz da tarde que começou por confundir com a da aurora e compreendeu que não tinha sonhado. Durante essa noite toda e todo o dia, abateu-se sobre ele a intolerável lucidez da insónia. Quis explorar a floresta, extenuar-se; só a custo conseguiu pela cicuta uns quantos lampejos de sono fraco, riscado fugazmente por visões de tipo rudimentar: inaproveitáveis. Quis voltar a reunir o colégio e mal articulou umas breves palavras de exortação, logo este se deformou e se desfez. Na sua quase perpétua vigília, lágrimas de cólera queimavam-lhe os velhíssimos olhos.
Compreendeu que a tarefa de modelar a matéria incoerente e vertiginosa de que se compõem os sonhos é a mais árdua a que se pode entregar um homem, embora penetre todos os enigmas da ordem superior e da inferior: muito mais árdua que tecer uma corda de areia ou cunhar o vento sem cara. Compreendeu que era inevitável um fracasso inicial. Jurou esquecer a enorme alucinação que o desencaminhara ao princípio e procurou outro método de trabalho. Antes de experimentá-lo, consagrou um mês a recuperar as forças que lhe gastara o delírio. Abandonou toda a premeditação de sonhar e quase a seguir foi capaz de dormir um razoável bocado do dia. As raras vezes que sonhou, durante esse período, não ligou aos sonhos. Para retomar a tarefa, esperou que o disco da Lua ficasse perfeito. Depois, à tarde, purificou-se nas águas do rio, adorou os deuses planetários, pronunciou as sílabas lícitas de um nome poderoso e dormiu. Quase subitamente, sonhou com um coração que pulsava.
Sonhou-o activo, quente, secreto, do tamanho de um punho fechado, de cor escarlate na penumbra de um corpo humano, ainda sem cara nem sexo; com minucioso amor sonhou-o, durante catorze lúcidas noites. Noite a noite, percebia-o com uma evidência cada vez maior. Não o tocava: limitava-se a testemunhá-lo, observá-lo, talvez, e corrigi-lo com o olhar. Percebia-o, vivia-o, de muitas distâncias e de muitos ângulos. Na décima quarta noite roçou a artéria pulmonar com o dedo indicador e a seguir o coração todo, por fora e por dentro. O exame deixou-o satisfeito. Deliberadamente não sonhou durante uma noite: depois, tornou a pegar no coração, invocou o nome de um planeta e empreendeu a visão de outro dos órgãos principais. Em menos de um ano chegou ao esqueleto, às pálpebras. O inumerável cabelo foi talvez a tarefa mais difícil. Sonhou um homem inteiro, um mancebo mas este não se levantava nem falava nem podia abrir os olhos. Noite após noite, o homem sonhava-o adormecido.
Nas cosmogonias gnósticas, os demiurgos amassam um encarnado Adão que não consegue pôr-se de pé; tão inábil, tosco e elementar como esse Adão de pó era o Adão de sonho que as noites do mago tinham fabricado. Uma tarde, o homem destruiu quase toda a sua obra, mas arrependeu-se. (Mais lhe valeria tê-la destruído.) Depois de ter esgotado os votos aos numes da terra e do rio, caiu de joelhos aos pés da imagem que talvez fosse um tigre e talvez um potro, e implorou o seu desconhecido socorro. Nesse crepúsculo, sonhou com a estátua. Sonhou-a viva, trémula: não era um atroz bastardo de tigre e potro, mas ao mesmo tempo essas duas criaturas veementes e também um touro, uma rosa, uma tempestade. Esse múltiplo deus revelou-lhe que seu nome terrestre era Fogo, que nesse templo circular (e noutros iguais) lhe tinham prestado sacrifícios e culto e que ele magicamente animaria o fantasma sonhado, de modo que todas as criaturas, salvo o próprio Fogo e o sonhador, o pensaram um homem de carne e osso. Ordenou-lhe que depois de instruído nos ritos, o enviasse para outro templo desmantelado, cujas pirâmides persistem a jusante do rio, para que alguma voz o glorificasse naquele edifício deserto. No sonho do homem que sonhava, o sonhado acordou.
O mago executou as ordens. Consagrou um prazo (que no fim durou dois anos) para lhe descobrir os arcanos do universo e do culto do fogo. Intimamente, custava-lhe separar-se dele. A pretexto da necessidade pedagógica, dilatava dia após dia as horas dedicadas ao sonho. Também refez o ombro direito, porventura deficiente. Às vezes, inquietava-o uma impressão de que tudo aquilo já tinha acontecido... Em geral, os seus dias eram felizes; ao fechar os olhos pensava: Agora vou estar com o meu filho. Ou então, mais raramente: O filho que gerei espera por mim e não existirá se eu não for ter com ele.
Gradualmente, lá o foi habituando à realidade. Uma vez mandou-o colocar uma bandeira num píncaro distante. No outro dia, flutuava a bandeira no cume. Tentou outras experiências análogas, cada vez mais audaciosas. Compreendeu com uma certa amargura que o seu filho estava pronto para nascer – e talvez até impaciente. Nessa noite beijou-o pela primeira vez e enviou-o para o outro templo cujos despojos branqueavam rio abaixo, a muitas léguas da inextricável floresta e de pântanos. Mas antes (para que ele nunca soubesse que era um fantasma, para que se julgasse um homem como os outros) infundiu-lhe o esquecimento total de seus anos de aprendizagem.
A sua vitória e a sua paz ficaram turvadas pelo desgosto. Nos crepúsculos da noite e da madrugada , prostrava-se diante da figura de pedra, talvez imaginando que o seu filho irreal executava ritos idênticos, noutras ruínas circulares, rio abaixo; de noite, não sonhava, ou sonhava como o fazem todos os homens. Apercebia-se com certa palidez dos sons e formas do universo: o filho ausente alimentava-se dessas diminuições da sua alma. O desígnio de sua vida fora preenchido; o homem persistiu numa espécie de êxtase. Ao fim de um tempo que certos narradores de sua história preferem calcular em anos e outros em lustros, à meia-noite acordaram-no dois remadores: não conseguiu ver as caras deles, mas falaram-lhe de um homem mágico num templo do Norte, capaz de andar sobre o fogo sem se queimar. O mago lembrou-se de repente das palavras do deus. Lembrou-se de que, de todas as criaturas que compõem o globo, o fogo era a única que sabia que o seu filho era um fantasma. Essa recordação, que o descansou ao princípio, acabou por atormentá-lo. Receou que o seu filho meditasse nesse privilégio anormal e descobrisse de algum modo sua condição de mero simulacro. Não ser um homem, ser a projecção do sonho de outro homem, que humilhação incomparável, que vertigem! A todo pai interessam os filhos que procriou (que permitiu) numa simples confusão ou na felicidade; é natural que o mago temesse pelo futuro daquele filho, pensado entranha a entranha e feição a feição, em mil e uma noites secretas.
O fim das suas reflexões foi brusco, mas anunciaram-no alguns sinais. Primeiro (ao cabo de uma longa seca) uma remota nuvem numa colina, leve como um pássaro; a seguir, para os lados do Sul, o céu com a cor rosada das gengivas dos leopardos; depois as fumaradas que enferrujaram o metal das noites; depois a fuga pânica dos bichos. Porque se repetiu o que acontecera há muitos séculos. As ruínas do santuário do deus do fogo foram destruídas pelo fogo. Numa madrugada sem pássaros, o mago viu abater-se sobre as paredes o incêndio concêntrico. Por um instante, pensou refugiar-se nas águas, mas logo compreendeu que a morte vinha coroar a sua velhice e absolvê-lo dos seus trabalhos. Caminhou ao encontro dos círculos de fogo. Estes não morderam a sua carne, acariciaram-no e inundaram-no sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro estava a sonhá-lo.
O desígnio que o guiava não era impossível, se bem que sobrenatural. Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo com uma integridade minuciosa e impô-lo à realidade. Este projecto mágico esgotara o espaço inteiro da sua alma; se alguém lhe perguntasse o seu próprio nome ou qualquer pormenor da vida anterior, não seria capaz de responder. Convinha-lhe o templo desabitado e desmantelado, porque era um mínimo de mundo visível; a vizinhança dos lenhadores também, dado que estes se encarregavam de prover às suas necessidades frugais. O arroz e os frutos de seu tributo eram pasto suficiente e para o seu corpo, consagrado à única tarefa de dormir e sonhar.
Ao princípio, os sonhos eram caóticos; pouco depois, tornaram-se de natureza dialéctica. O forasteiro sonhava-se no meio de um anfiteatro circular que era de certo modo o templo incendiado: magotes de alunos taciturnos fatigavam os degraus; as caras dos das últimas filas pendiam a muitos séculos de distância e a uma altura estelar, mas viam-se com uma precisão absoluta. O homem dava-lhes lições de anatomia, de Cosmografia, de magia: os rostos escutavam com ansiedade e tentavam responder com entendimento, como se adivinhassem a importância daquele exame, que deveria redimir um deles da sua condição de vã aparência e o interpolaria no mundo real. O homem, no sonho e na vigília, considerava as respostas de seus fantasmas, não se deixava enganar pelos impostores, adivinhava em certas perplexidades uma inteligência crescente. Procurava uma alma que merecesse participar no universo.
Ao cabo de nove ou dez noites, compreendeu, com certa amargura, que nada podia esperar daqueles alunos que aceitavam passivamente a sua doutrina mas sim dos que arriscavam, às vezes, uma contradição razoável. Os primeiros, embora dignos de amor e afeição, não podiam elevar-se a indivíduos; os últimos preexistiam um pouco mais. Uma tarde (agora também as tardes eram tributárias do sonho, agora só estava acordado umas horinhas ao amanhecer) despediu para sempre o vasto colégio ilusório e ficou apenas com um único aluno. Era um rapaz taciturno, azedo, desordeiro às vezes, de feições afiladas que repetiam as do seu sonhador. A brusca eliminação de seus condiscípulos não o desconcertou por muito tempo; os seus progressos, no fim de poucas lições particulares, conseguiram maravilhar o mestre. No entanto, aconteceu a catástrofe. Um dia, o homem, emergiu do sono como de um deserto viscoso, fitou a vã luz da tarde que começou por confundir com a da aurora e compreendeu que não tinha sonhado. Durante essa noite toda e todo o dia, abateu-se sobre ele a intolerável lucidez da insónia. Quis explorar a floresta, extenuar-se; só a custo conseguiu pela cicuta uns quantos lampejos de sono fraco, riscado fugazmente por visões de tipo rudimentar: inaproveitáveis. Quis voltar a reunir o colégio e mal articulou umas breves palavras de exortação, logo este se deformou e se desfez. Na sua quase perpétua vigília, lágrimas de cólera queimavam-lhe os velhíssimos olhos.
Compreendeu que a tarefa de modelar a matéria incoerente e vertiginosa de que se compõem os sonhos é a mais árdua a que se pode entregar um homem, embora penetre todos os enigmas da ordem superior e da inferior: muito mais árdua que tecer uma corda de areia ou cunhar o vento sem cara. Compreendeu que era inevitável um fracasso inicial. Jurou esquecer a enorme alucinação que o desencaminhara ao princípio e procurou outro método de trabalho. Antes de experimentá-lo, consagrou um mês a recuperar as forças que lhe gastara o delírio. Abandonou toda a premeditação de sonhar e quase a seguir foi capaz de dormir um razoável bocado do dia. As raras vezes que sonhou, durante esse período, não ligou aos sonhos. Para retomar a tarefa, esperou que o disco da Lua ficasse perfeito. Depois, à tarde, purificou-se nas águas do rio, adorou os deuses planetários, pronunciou as sílabas lícitas de um nome poderoso e dormiu. Quase subitamente, sonhou com um coração que pulsava.
Sonhou-o activo, quente, secreto, do tamanho de um punho fechado, de cor escarlate na penumbra de um corpo humano, ainda sem cara nem sexo; com minucioso amor sonhou-o, durante catorze lúcidas noites. Noite a noite, percebia-o com uma evidência cada vez maior. Não o tocava: limitava-se a testemunhá-lo, observá-lo, talvez, e corrigi-lo com o olhar. Percebia-o, vivia-o, de muitas distâncias e de muitos ângulos. Na décima quarta noite roçou a artéria pulmonar com o dedo indicador e a seguir o coração todo, por fora e por dentro. O exame deixou-o satisfeito. Deliberadamente não sonhou durante uma noite: depois, tornou a pegar no coração, invocou o nome de um planeta e empreendeu a visão de outro dos órgãos principais. Em menos de um ano chegou ao esqueleto, às pálpebras. O inumerável cabelo foi talvez a tarefa mais difícil. Sonhou um homem inteiro, um mancebo mas este não se levantava nem falava nem podia abrir os olhos. Noite após noite, o homem sonhava-o adormecido.
Nas cosmogonias gnósticas, os demiurgos amassam um encarnado Adão que não consegue pôr-se de pé; tão inábil, tosco e elementar como esse Adão de pó era o Adão de sonho que as noites do mago tinham fabricado. Uma tarde, o homem destruiu quase toda a sua obra, mas arrependeu-se. (Mais lhe valeria tê-la destruído.) Depois de ter esgotado os votos aos numes da terra e do rio, caiu de joelhos aos pés da imagem que talvez fosse um tigre e talvez um potro, e implorou o seu desconhecido socorro. Nesse crepúsculo, sonhou com a estátua. Sonhou-a viva, trémula: não era um atroz bastardo de tigre e potro, mas ao mesmo tempo essas duas criaturas veementes e também um touro, uma rosa, uma tempestade. Esse múltiplo deus revelou-lhe que seu nome terrestre era Fogo, que nesse templo circular (e noutros iguais) lhe tinham prestado sacrifícios e culto e que ele magicamente animaria o fantasma sonhado, de modo que todas as criaturas, salvo o próprio Fogo e o sonhador, o pensaram um homem de carne e osso. Ordenou-lhe que depois de instruído nos ritos, o enviasse para outro templo desmantelado, cujas pirâmides persistem a jusante do rio, para que alguma voz o glorificasse naquele edifício deserto. No sonho do homem que sonhava, o sonhado acordou.
O mago executou as ordens. Consagrou um prazo (que no fim durou dois anos) para lhe descobrir os arcanos do universo e do culto do fogo. Intimamente, custava-lhe separar-se dele. A pretexto da necessidade pedagógica, dilatava dia após dia as horas dedicadas ao sonho. Também refez o ombro direito, porventura deficiente. Às vezes, inquietava-o uma impressão de que tudo aquilo já tinha acontecido... Em geral, os seus dias eram felizes; ao fechar os olhos pensava: Agora vou estar com o meu filho. Ou então, mais raramente: O filho que gerei espera por mim e não existirá se eu não for ter com ele.
Gradualmente, lá o foi habituando à realidade. Uma vez mandou-o colocar uma bandeira num píncaro distante. No outro dia, flutuava a bandeira no cume. Tentou outras experiências análogas, cada vez mais audaciosas. Compreendeu com uma certa amargura que o seu filho estava pronto para nascer – e talvez até impaciente. Nessa noite beijou-o pela primeira vez e enviou-o para o outro templo cujos despojos branqueavam rio abaixo, a muitas léguas da inextricável floresta e de pântanos. Mas antes (para que ele nunca soubesse que era um fantasma, para que se julgasse um homem como os outros) infundiu-lhe o esquecimento total de seus anos de aprendizagem.
A sua vitória e a sua paz ficaram turvadas pelo desgosto. Nos crepúsculos da noite e da madrugada , prostrava-se diante da figura de pedra, talvez imaginando que o seu filho irreal executava ritos idênticos, noutras ruínas circulares, rio abaixo; de noite, não sonhava, ou sonhava como o fazem todos os homens. Apercebia-se com certa palidez dos sons e formas do universo: o filho ausente alimentava-se dessas diminuições da sua alma. O desígnio de sua vida fora preenchido; o homem persistiu numa espécie de êxtase. Ao fim de um tempo que certos narradores de sua história preferem calcular em anos e outros em lustros, à meia-noite acordaram-no dois remadores: não conseguiu ver as caras deles, mas falaram-lhe de um homem mágico num templo do Norte, capaz de andar sobre o fogo sem se queimar. O mago lembrou-se de repente das palavras do deus. Lembrou-se de que, de todas as criaturas que compõem o globo, o fogo era a única que sabia que o seu filho era um fantasma. Essa recordação, que o descansou ao princípio, acabou por atormentá-lo. Receou que o seu filho meditasse nesse privilégio anormal e descobrisse de algum modo sua condição de mero simulacro. Não ser um homem, ser a projecção do sonho de outro homem, que humilhação incomparável, que vertigem! A todo pai interessam os filhos que procriou (que permitiu) numa simples confusão ou na felicidade; é natural que o mago temesse pelo futuro daquele filho, pensado entranha a entranha e feição a feição, em mil e uma noites secretas.
O fim das suas reflexões foi brusco, mas anunciaram-no alguns sinais. Primeiro (ao cabo de uma longa seca) uma remota nuvem numa colina, leve como um pássaro; a seguir, para os lados do Sul, o céu com a cor rosada das gengivas dos leopardos; depois as fumaradas que enferrujaram o metal das noites; depois a fuga pânica dos bichos. Porque se repetiu o que acontecera há muitos séculos. As ruínas do santuário do deus do fogo foram destruídas pelo fogo. Numa madrugada sem pássaros, o mago viu abater-se sobre as paredes o incêndio concêntrico. Por um instante, pensou refugiar-se nas águas, mas logo compreendeu que a morte vinha coroar a sua velhice e absolvê-lo dos seus trabalhos. Caminhou ao encontro dos círculos de fogo. Estes não morderam a sua carne, acariciaram-no e inundaram-no sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro estava a sonhá-lo.
Jorge Luis Borges, As Ruínas Circulares,Ficções
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animação,
Jorge Luís Borges,
literatura
07 abril 2008
02 abril 2008
Graffiti, Lisboa, 2007
‘Pierre Cabanne - Também disse que o artista é inconsciente em relação ao significado real da sua obra, e que o espectador deve sempre participar numa criação suplementar, interpretando-a.
Marcel Duchamp - Porque considero, com efeito, que um homem, um génio qualquer, que habite no coração da África e produza todos os dias quadros extraordinários, sem que ninguém os veja, não existe. [...] Você não acredita que o papel do espectador tem certa importância?’
Pg.109/110 [‘Gosto mais de respirar do que trabalhar’] em ‘Marcel Duchamp - Engenheiro do tempo perdido (Entrevistas com Pierre Cabanne)’ 2ª Edição Assírio & Alvim 2002
Este excerto foi furtado aqui
‘Pierre Cabanne - Também disse que o artista é inconsciente em relação ao significado real da sua obra, e que o espectador deve sempre participar numa criação suplementar, interpretando-a.
Marcel Duchamp - Porque considero, com efeito, que um homem, um génio qualquer, que habite no coração da África e produza todos os dias quadros extraordinários, sem que ninguém os veja, não existe. [...] Você não acredita que o papel do espectador tem certa importância?’
Pg.109/110 [‘Gosto mais de respirar do que trabalhar’] em ‘Marcel Duchamp - Engenheiro do tempo perdido (Entrevistas com Pierre Cabanne)’ 2ª Edição Assírio & Alvim 2002
27 março 2008
"that little instrument which shows musicians the beat..."
Man Ray, Objet Indestructible (1923-1975) - (Readymade wooden metronome with photograph of an eye)
"The metronome, that little instrument which shows musicians the beat, is really the earliest music, a primitive music. I owned one myself and, when I painted, I let in run, you know, and, like a pianist, I did so and so many strokes while painting, isn’t that so? And the metronome registered everything. I did miss the visual aspect, though. That’s why I attached an eye to the pendulum and, when the eye moved from right to left and from left to right, I had the feeling someone was watching me paint or looking at the picture. Sometimes it might stop and then I knew that the picture was very bad and destroyed it, do you understand? But one day I got my revenge; the metronome began to tick so hard and got on my nerves so much that I took a hammer and smashed it into a thousand pieces. It was, after all, called Objet à détruir [Object to be Destroyed], and it was right for I then destroyed it. But after the great historic retrospectives on Dada I was asked to exhibit the metronome so I put an eye on it and made it run again."
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